quinta-feira, 24 de junho de 2010

ABC DO DIREITO HOMOAFETIVO

ABC DO DIREITO
HOMOAFETIVO

Por Chyntia Barcellos
Caro leitor, você que é homossexual e:

*Tem um relacionamento homoafetivo e deseja se informar sobre seus direitos, tratando-se ou não esse relacionamento de uma união de cunho estável ou um simples namoro;

*Convive há algum tempo com seu companheiro e deseja formalizar essa união, resguardando os direitos individuais de cada um e ainda os direitos comuns ao casal homoafetivo;

*Vive em união homoafetiva de cunho estável, mas não sabe como proceder para colocar seu companheiro como dependente no seu plano de saúde, previdência social e/ou imposto de renda;

*Conviveu em união homoafetiva durante certo tempo, mas decidiram se separar e não sabem como proceder em relação aos direitos patrimoniais e à guarda dos filhos, oriundos dessa união;

*Quer adotar uma criança ou regularizar uma adoção;

*Ainda não tem um parceiro, mas precisa esclarecer os seus direitos como cidadão;

* É solteiro, possui bens e quer resguardá-los não só para a sua família consanguínea, como, também para amigos, companheiros, empregados, dentre outros.

Através desta cartilha você descobrirá que há caminhos para resolver essas questões de forma prática e eficaz. Terá, também, conhecimento sobre como se resguardar do preconceito e da falta de previsão legal, podendo se socorrer do Judiciário ou trilhar um meio alternativo, onde estão inseridas outras formas de resolução de conflitos, como por exemplo, a mediação.


1. O que significa “HOMOAFETIVIDADE”?

O termo HOMOAFETIVIDADE é um neologismo criado pela ilustre jurista e ex-desembargadora do Rio Grande do Sul, Dra. Maria Berenice Dias, com intuito de mostrar à sociedade que o afeto é a base formadora de qualquer casal, independentemente de ser esse casal homossexual ou heterossexual.

Assim, o novo termo teve a missão de subtrair a conotação pejorativa que se dava aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, buscando evidenciar que essas uniões nada mais são que vínculos afetivos.

2. O que é Direito Homoafetivo?

O Direito Homoafetivo é um ramo do Direito das Famílias, que em princípio vem tratar das questões pertinentes à homoafetividade, como as uniões entre parceiros do mesmo sexo, a adoção por pessoas homossexuais solteiras ou por casais homoafetivos, tratando, ainda, dos direitos patrimoniais e sucessórios concernentes a essas uniões, com implicações no âmbito do Direito Previdenciário e Trabalhista, dentre outros.

3. Como pode ser formalizada e/ou regularizada a união homoafetiva?

O Brasil ainda não tem legislação que reconheça a união homoafetiva, como uma união estável ou que autorize o casamento civil desses casais.
Da mesma forma que não há legislação, também inexiste proibição legal. Diante da omissão do legislador, os tribunais de todo o país vem reconhecendo as uniões entre parceiros do mesmo sexo e, assim, deferindo direitos e repartindo deveres entre os companheiros.

Sobretudo, muitos juízes ainda reconhecem tais uniões como uma sociedade de fato, vista erroneamente pelo prisma do Direito das Obrigações e não pelo Direito das Famílias. Por esse motivo, torna-se imprescindível, que casais homoafetivos declarem seus relacionamentos, via procedimento cartorial, por meio de um contrato de convivência, para regularizar e formalizar a união, podendo ainda escolher o regime de bens a ser adotado.

4. Existe restrição legal para que o homossexual adote? E se for o casal homossexual, poderão eles adotar filhos em comum?

De fato, não existe qualquer restrição ou proibição legal para que o homossexual solteiro ou o casal adote. As restrições que se impõem são, na maioria das vezes, de fundo moral.

O que acontece na prática é a adoção de uma ou mais crianças por um dos parceiros e, posteriormente, os pais adotivos entram na Justiça, a fim de que se reconheça a dupla maternidade ou paternidade, para que o adotado não seja prejudicado.


5. Já existem direitos reconhecidos aos casais homossexuais em via administrativa?

Sim. Os principais:
a) Pensão por morte e auxílio-reclusão;
b) Seguro DPVAT;
c) Visto de Permanência;
d) Financiamento habitacional;
e) Condição de dependente, para concessão de benefícios. Ex.: plano de saúde e Imposto de renda.


6. Como comprovar uma união homoafetiva e, ainda, a dependência econômica entre os companheiros, oriunda dessa relação?

Em primeiro lugar é preciso que os companheiros declarem a união via procedimento cartorial ou judicial e, ainda, tenham documentos como os abaixo exemplificados, dentre outros capazes de comprovar a convivência pública, contínua e duradoura.

- Declaração de Imposto de Renda constando a condição de dependente;
- Contrato de aluguel, como prova de domicílio em conjunto;
- Escritura de compra e venda de imóvel residencial em nome dos companheiros;
- Conta bancária em conjunto;
- Disposições testamentárias.



7. Por que “Orientação Sexual” e não “opção sexual”?

Por falta de conhecimento e até ignorância, erroneamente se diz que a homossexualidade é uma opção do indivíduo.
Sobretudo, a homossexualidade (atração afetiva, emocional e/ou sexual por pessoa do mesmo sexo) trata-se de uma das modalidades de orientação sexual, que pode ser ainda heterossexual e bissexual.

Assim como o heterossexual não escolheu essa forma de desejo, o homossexual também não. A pessoa simplesmente é assim.
Segundo pesquisas, a orientação sexual pode ser determinada por inúmeros fatores e não é possível forçar a alteração desse estado.

8. Em conjunto com os direitos dos homossexuais, caminham os direitos dos travestis e transexuais. Do que tratam esses direitos?

Quanto aos direitos dos travestis e transexuais, em muitas repartições públicas já lhes são garantidos o direito ao uso do nome social. No que tange especificamente aos transexuais, já é permitida e considerada lícita a cirurgia de mudança de sexo, seguida de um longo processo de acompanhamento psicológico, psiquiátrico e médico. Posteriormente à cirurgia, o transexual deverá pleitear perante a Justiça a mudança de seu nome e identidade de gênero, com modificação do registro civil, o que tem sido amplamente deferido pelos tribunais.

*Identidade de gênero significa a que tipo de gênero (masculino ou feminino) a pessoa se identifica, independente de seu sexo biológico.

9. O que é sexualidade e como a lei a define?

A sexualidade é muito mais do que sexo. Trata-se de uma dimensão fundamental na vida das pessoas, abrangendo sexo, papéis sexuais, erotismo, prazer, envolvimento emocional, amor e reprodução, características essas capazes de definir a identidade de gênero e orientação sexual de um indivíduo.

A orientação sexual do indivíduo e sua identidade de gênero são direitos personalíssimos, estão tutelados pela Constituição Federal Brasileira e protegidos pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Portanto, é constitucionalmente proibida a discriminação por motivo de sexo, cor ou estado civil.

10. O que é homofobia ? O que diz a Justiça sobre o preconceito?

Homofobia é o ódio, a aversão, a discriminação por alguém contra os homossexuais, que pode incluir tanto formas explícitas, quanto sutis, silenciosas e traiçoeiras de preconceito.

A Justiça vem reconhecendo que o constrangimento sofrido pelo homossexual, quando devidamente comprovado, caracteriza dano moral ao ofendido e deve ser reparado por meio de indenização.


11. O que é mediação e como esse método pode socorrer os homossexuais que passam por um conflito?

Muitas vezes o Judiciário é ineficiente para solucionar conflitos. Uma sentença resolve a questão beneficiando um em prejuízo do outro e ao final todos saem perdendo. Mais do que tempo e dinheiro, as partes perdem amor e outros sentimentos. A mediação de conflitos é um método alternativo ao Judiciário. Por meio do mediador, um terceiro neutro, as partes são encorajadas a tomar consciência do conflito, com oportunidade de expor seus pensamentos e de enxergar o outro lado, a fim de que possam compor um acordo com ganhos mútuos. Em algumas situações, o fim é inevitável, porém a cordialidade e o respeito devem ser sustentados. Pode ser utilizada em casos de separação, guarda de filhos, desentendimentos familiares, dentre tantos outros problemas pelos quais passam todos os seres humanos, independentemente de sua orientação sexual.

: : TEXTO FINAL

A primeira edição da cartilha “ABC DO DIREITO HOMOAFETIVO” foi resultado de muita ousadia e também de um trabalho de parceria realizado com muita dedicação e carinho.

Nos últimos meses, as notícias e acontecimentos em torno da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT, repercutiram em todo o país.

Embora existam inúmeros projetos de lei em andamento sobre os direitos LGBT, a esperança de vitória vem da Justiça. Este poderá ser o ano em que o Supremo Tribunal Federal irá decidir sobre a união homoafetiva, bem como acerca dos direitos previdenciários concernentes a ela.

Assim diante de tantas movimentações, ao pensar nesta segunda edição, o objetivo principal foi encurtar a distância entre o Direito Homoafetivo e o público, a fim de que as mudanças sejam apresentadas de forma simples, clara e objetiva. Só assim conseguiremos um mundo mais justo, igualitário e menos homofóbico.

A nossa luta é com o Direito e a Justiça. Posições preconceituosas, endurecidas e falsos moralistas devem se afastar do Estado, que é laico.

É preciso sinalizar que em uma sociedade que tem como lema a dignidade da pessoa humana, no campo da diversidade sexual é o afeto, base das relações homoafetivas, que deve ser considerado como o bem maior a ser tutelado pelo Estado. E é por meio desse caleidoscópio do amor e demais sentimentos que devemos olhar o mundo e encarar as diferenças.

Mais uma vez, é com coragem e em busca de um mundo melhor que cumprimento a todos.


Autora:
Chyntia Barcellos

Chyntia Barcellos, advogada e mediadora de conflitos.
Especialista em Direito Homoafetivo e Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias.
Email: chyntia@chyntiabarcellos.com.br

Blog: www.chyntiabarcellos.com.br

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